sábado, 17 de maio de 2008

O caso Eichmann

Eu era uma criança quando entrou na minha casa um livro chamado “O caso Eichmann”. Como as novas gerações não sabem quem foi Eichmann, eu conto: era um carrasco nazista, daqueles piores possíveis, que fazia as maiores maldades imagináveis no genocídio que se perpetrava contra os judeus. Quando a 2ª Guerra Mundial acabou, ele escafedeu-se para a Argentina, onde ficou bem escondidinho até a década de 1960, provavelmente vivendo da venda dos lingotes de ouro que obtivera derretendo os dentes de ouro dos pobres judeus que caíram nas suas unhas. Então, lá quando eu era uma criança, talvez de uns 10 anos, judeus descobriram-no na Argentina, raptaram-no na calada da noite e levaram-no ao recém-instituído Estado de Israel, onde ele foi julgado, condenado e devidamente enforcado.

O livro que saíra era a história que contei acima e o processo onde, através das testemunhas, a criança que eu era pôde aquilatar toda a maldade e horror de que o ser humano era capaz. Lembro-me muito bem de como fiquei aterrorizada com aquela visão, das muitas noites que passei sem dormir, a seguir, de tão aterrorizada que estava. Realmente, naquela idade de ainda brincar com as fadas eu não deveria estar lendo aquilo. Mas li. E depois não parei mais: nos anos que se seguiram, li tudo o que consegui botar mão sobre o Holocausto Judeu, e cresci tendo a maior simpatia por esse povo que tanto sofrera nas mãos dos nazistas, e até hoje sou absolutamente contra o nazismo e seus simpatizantes. Diria mais: sou absolutamente contra as injustiças, não importa de onde elas venham. Penso que este fato é um dos catalizadores que me levou a me tornar uma historiadora, para saber melhor o que acontece por este mundo.

É momento de de novo levantar minha voz contra uma das barbaridades do novel século XXI: o genocídio que ora se perpetra contra o povo palestino, gente que está há cerca de 6.000 anos vive nas terras onde, depois do genocídio ocorrido na Europa, a ONU deixou o sofrido povo judeu criar um estado para si, e aí pode-se fazer uma série de discussões a respeito, mas que o espaço não permite aqui. Era para ser assim: um país palestino e um país judeu, mas hoje, lá, só existe o país judeu, e os sofridos velhinhos judeus que foram fritados nos fornos de Hitler devem, hoje, lá no seu Paraíso, sentirem-se vermelhos de vergonha ao ver o que fazem contra o povo palestino certos descendentes seus que lá vivem. Não preciso entrar em detalhes: todos vocês assistem televisão e lêem jornal, e as notícias são públicas. Faz algum tempo que até míssel disparado de helicóptero o exército israelense jogou sobre o povo palestino que se reunia numa praça. As imagens são transmitidas para quem quiser ver, e é inegável que os papéis mudaram: os sobreviventes de um Holocausto, agora, estão a perpetrar outro, e se a coisa continua neste ritmo, em breve acabará por se extinguir de uma vez por todas uma cultura de 6.000 anos de idade.

Disse acima que sou contra a Injustiça, esteja ela onde estiver. E completo: não sou contra nenhum povo do mundo, mas sim, contra povos, partes de povos, grupos, indivíduos ou quem quer que seja que esteja a cometer injustiças, e é totalmente público e historicamente visível que o governo de Isreal, com o apoio do Capitalismo estadunidense que quer um espaço estratégico naquela parte do mundo, está a cometer um crime que não tem tamanho, tão grande quanto o que o nazismo cometeu. Esta verdade é indiscutível: basta conhecer-se um pouco de História e olhar-se para qualquer noticiário de televisão.

Então, uma porção de gente queimou-se e me acusou de muitas coisas, inclusive de eu ser anti-semita. Vocês sabem o que quer dizer semita? Está aqui no Dicionário da Língua Portuguesa emitido pelo Ministério da Educação: “indivíduo da família etnográfica e lingüística que compreende os árabes, arameus, assírios, fenícios e hebreus”. Hebreu é judeu – mas aposto que os judeus que se queimaram nem sabiam que eram da mesma família que os palestinos, quer dizer, árabes. Deu pra bola, né? Foi muito bom eu ter começado a me instruir já com o caso Eichmann, mesmo que depois tal livro tivesse aterrorizado as minhas noites de criança.


Florianópolis, 26 de maio de 2004.


Urda Alice Klueger

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